segunda-feira, 26 de outubro de 2009

REPENSANDO O CONCEITO DE SURDEZ
por
Ana Maria Portugal Gomes
Fonoaudióloga

Definição de surdez no modelo clínico-terapêutico:
• Um termo muito usado neste modelo é deficiência auditiva e sugere a redução ou ausência da capacidade para ouvir determinados sons, devido a fatores que afetam o aparelho auditivo.
• Distúrbio de audição, diminuição da capacidade auditiva em diferentes graus de intensidade, podendo ser de caráter transitório ou definitivo, estacionário ou progressivo.
• "É a ausência, dificuldade, inabilidade para ouvir sons específicos, ambientais e os sons da fala humana." (Silvania Maia Silva Dias - Fonoaudióloga)
Neste modelo, "o surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, não fala. É definido por suas características negativas; a educação se converte em terapêutica, o objetivo do currículo escolar é dar ao sujeito o que lhe falta: a audição, e seu derivado: a fala." (Carlos Skliar - Fonoaudiólogo - Argentino)
"Medicalicar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à correção de defeitos da fala, ao treinamento de certas habilidades menores, mais que a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a língua de sinais. E significa também opor e dar prioridade ao poderoso discurso da medicina frente à débil mensagem da pedagogia." (Carlos Skliar - Fonoaudiólogo - Argentino)

Nesta visão clínico-terapêutica:
Utiliza-se de uma pedagogia corretiva; existe a intenção de correção, normalização; emprega-se currículo para educandos com atraso cognitivo; currículo para ouvintes; currículo para pessoas com dificuldades lingüísticas; currículo audiológico/audiométrico; currículo de beneficência laboral.

Definição de surdez no modelo sócio-antropológico:
É uma concepção moderna da surdez defendida em todo o mundo por profissionais de várias áreas de interesse da surdez, em especial lingüistas, pedagogos e professores, psiquiatras e até fonoaudiólogos. Esse modelo baseia-se nos novos modelos lingüísticos, psicolingüísticos e sóciolingüísticos que culminam em alternativas pedagógicas onde o surdo possui uma representação social oposta ao modelo anteriormente citado.
• "A surdez é uma condição natural e não uma deficiência/doença que necessita de cura." (Lorena Koslowski - PR)
• A surdez é uma diferença que deve ser respeitada e aceita.
• Como afirma Carlos Sánchez - lingüista venezuelano: "A surdez não é uma doença que necessita de cura, mas é uma condição que deve ser aceita. Os surdos não são inválidos que precisam de reabilitação. Eles são membros de uma comunidade lingüística minoritária que deve ser respeitada e possuem o direito inalienável de receber sua educação nesta língua." E ainda ele afirma sobre a criança surda:"Seu filho é normal; pode ser inteligente, criativo. Só que ele fala outra língua".

Algumas considerações importantes:
"Preferimos que aos três, quatro anos a criança surda construa frases complexas em língua de sinais do que produza palavras isoladas" (Graziella Alisedo - Argentina - 1994)
"A educação deve voltar-se para os potenciais da criança que podem ser ativados através da tarefa educativa".(Vygotsky)
"A língua de sinais é a única que permite a pessoa surda ascender a todas as características lingüísticas da "fala". (Danielle Bouvet, França, 1989)
"A língua de sinais é, portanto, indispensável para total apropriação da linguagem pela criança surda. Ela permite à criança surda descobrir o que é comunicação lingüística no momento em que todas as crianças fazem esta descoberta."(LK)


Na visão sócio-antropolológica:
• deve-se oportunizar o acesso da criança surda à língua de sinais o mais precoce possível;
• oportunizar o contato da criança surda com seu pares surdos adultos para permitir a identificação e o acesso a particularidades culturais;
• preocupar-se com o desenvolvimento das estruturas cognitivas e lingüísticas nas idades correspondentes;
• novo olhar sobre a educação de surdos: o conhecimento formal é acessado através da língua de sinais e se vale de estratégias que enfatizam o potencial porque "os surdos são diferentes das pessoas ouvintes, necessitam que toda a instrução seja baseada na visão e não na audição." (Patrícia Luiza Ferreira Pinto - pedagoga surda - MG)


Bibliografia:

• Fórum Permanente de Educação, Linguagem e Surdez - vol.I (Jan./Jun.) Rio de Janeiro - INES
• Surdez: Abordagem Geral - Karin Lilian Strobel & Silvania Maia Silva Dias, 1995 - FENEIS
• Série Audiologia 1,2,3,4 - 1998 - INES
• Educação e Exclusão - Cadernos de autoria 2 - Carlos Skliar (Org.) Editora Mediação
• La Educación de Los Surdos - Carlos Skliar - Série Manuales - EDIUNC
• Apostila: "Atención Integral del Niño Sordo de 0 a 6 Anos - Modelo Educativo Bilingüe y Bicultural" - Carlos Sánchez - Instituto de Estudios Interdisciplinarios Sobre La Sordera y El Lenguaje (IES) - Puerto Ayacucho - Venezuela - 1998